OSuperior Tribunal de Justiça (STJ) anulou, por meio de liminar, a decisão do governo do Espírito Santo de tornar a empresa produtora de celulose Suzano S.A. proprietária da área onde fica o Quilombo Itaúnas, no município de Conceição da Barra.

A empresa havia conseguido uma ordem dereintegração de posse, que ocorreria na manhã desta terça-feira (16).
Em despacho, oministro do STJ Herman Benjamindestaca que se trata de um caso de terras devolutas, ou seja, terras públicas sem destinação do poder público e que nunca foram parte do patrimônio de um particular. Benjamindeterminou que o processo seja analisado por outro ministro da corte, Sérgio Kukina, da Primeira Seção.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu uma ação civil para contestar os títulos concedidos pelo governo estadual para aSuzano S.A., sucessora da Fibria S.A., com a qual fundiu os negócios.Para o MPF, a obtenção dos títulos foi fraudulenta. A ação tramita no Tribunal Federal Região Federal da 2ª Região (TRF2), em grau de apelação.
OInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a alertar para o fato deestarem em curso processos de identificação, demarcação, titulação e desintrusão de comunidades quilombolas em diversos municípios de Conceição da Barra e São Miguel. São elas: São Domingos, Coxi, Angelin 2, Angelin Mateus, sendo elas Angelin 1 3, Angelin do meio, Roda D’água, Morro da Onça, Porto Grande, Córrego do Alexandre, Linharinho, Serraria e São Cristóvão, Córrego do Chiado, São Jorge e Sítio Vala Grande, Córrego do Macuco, Nova Vista I e Braço do Rio.
Com o acirramento da disputa,lideranças do Quilombo Itaúnas deixaram o território, pela primeira vez na história, temendo por sua vida. A comunidade é composta pormais de 130 casas.
A tentativa de retirar os quilombolas foi classificada como”um ataque frontal ao direito constitucional”pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).As famílias vivem na região há mais de 300 anose ainda aguardam ter seu direito à terra formalmente garantido pela Fundação Cultural Palmares (FCP).
Habituado a uma terra que antes servia a práticas como a pesca e a caça como as principais de subsistência,o grupo reivindica 30 hectares para manter minimamente seu modo de vida. A comunidade é berço de diversas figuras proeminentes dacultura populare origem de festividades já consolidadas.
“Entre eles estão nomes como Mestre Anís, Mestre Caboquim, João Quemode, Vantuir e o Preto Velho, griôs que mantêm vivas as festas folclóricas e tradições reconhecidas e celebradaspor toda a região”, ressalta a entidade em nota divulgada neste sábado (13).
O líder Bruno Camilo afirma queo interesse da empresa de celulose é a expansão dos plantios de eucalipto, enquanto a comunidade tem buscado pavimentar projetos que vão na contramão disso, já tendo, inclusive, obtido reconhecimento internacional de reflorestamento. Especialistas alertam, há algum tempo, sobre osmalefícios da monocultura de eucalipto, por dizimar tanto a flora como a fauna, uma vez que as espécies não conseguem mais encontrar fatores propícios para sobreviver, se desenvolver e perpetuar.
Outros exemplos de monocultura, que se pode comparar, por conta dos mesmos resultados que geram, são o de milho e o de soja.A monocultura também está muito ligada ao uso de agrotóxicos.
Um relatório do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) destaca que pesquisadores encontraram umsítio arqueológico sobre dunas em Conceição da Barranas proximidades do rio Itaúnas.
“Nele foramencontrados artefatos líticos como batedores, percutores e lascas de quartzo. Sua datação éestimada em 500 a. C.Também nesse município foi registrado o sítio “Ta-01”, entre dunas, com artefatos líticos em quartzo.”
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informa que no Espírito Santo há 550 sítios arqueológicos cadastrados e que a maior parte fica na região costeira, sobretudo no norte do Estado, nos municípios de Conceição da Barra, Linhares e São Mateus. Isso sugere que há possibilidade de outros serem identificados.
Luta coletiva
Camilo conta queperdeu um irmãopor conta da mobilização política que o contexto tem exigido dos moradores e queum deles está, hoje, internado em um hospital, após ter um infarto. Antes da Suzano, afirma, outra empresa do mesmo ramodisputou a área com os quilombolas.
“São pessoas que merecem respeito. E a Suzano não quer diálogo. Estão [a Suzano Papel e Celulose] marginalizando nosso movimento.”
A Agência Brasil procurou a Suzano, que não se pronunciou até o momento. A reportagem também questionou os Ministérios da Igualdade Racial e da Justiça e Segurança Pública e a FCP, mantendo o espaço aberto para eventuais manifestações.