A alma da Orquestra Ouro Preto é a família que existe por trás dela. Logo cedo, o pai, Ronaldo Toffolo, viu a vocação das crianças, que estavam mergulhadas no ambiente de música que havia na casa. Com o tempo, os filhos evoluíram com os estudos de violino, e o pai decidiu criar um grupo musical. Com o amigo, compositor e bandoneonista argentino Rufo Herrera, hoje com 91 anos, Toffolo teve ideia de desenvolver o projeto de uma orquestra de câmara.
“Aqui em casa, sempre acreditamos que somos mais completos se estivermos abraçados com a cultura. A cultura é a digital da existência de todos nós. Esse ambiente proporcionou uns aperitivos de uma sedução que transformaria isso aqui em uma proposta e a escolha pela profissionalização foi deles”, disse Toffolo à Agência Brasil.
O pai tem certeza de que “a sorte de o filho mais velho”, Rodrigo, hoje maestro da orquestra, ter dado suporte, foi fundamental “para levar a turma toda a acreditar que o projeto ia dar certo”. Segundo Toffolo, esse ambiente é que “trouxe a magia do abraço da cultura como marca inequívoca de que nós somos mais quando temos nossa companhia”.
A casa onde tudo começou, no centro de Ouro Preto, Minas Gerais, guarda a memória da família. O quarto onde ensaiavam tem as paredes cobertas por estantes repletas de discos de vinil e CDs. Tudo divide o espaço com o piano em que, um dia, ao tocar uma música dos Beatles, chamou atenção de Rodrigo, um menino de 11, 12 anos na época, que acordou de madrugada encantado com aquele som.
A conversa da reportagem com Ronaldo Toffolo neste quarto trouxe ainda outras histórias da família, e ele externou o sentimento que tem ao fazer uma retrospectiva do início do grupo até o reconhecimento, inclusive internacional, que a orquestra conquistou em seus 25 anos.
“É uma história fantástica, e é até difícil ser sucinto, mas o fato é que a gente fica agradecido por essa bênção especial de adesão deles [os filhos] ao que se propõe à vida deles na área da música, que é o coroamento de algo de que nunca desacreditamos, porque entendíamos que isso tinha que ser companhia nossa. A cultura faz parte, mas não pretendíamos que isso se tornasse o elemento de vida, de trabalho, de profissão, e nós estamos aqui preparando a nova geração, através dos netinhos, que, quem sabe, vêm por aí começando”, disse, apontando para o futuro da orquestra.
“Não se trata de milagre. Não acredito em milagres neste sentido. É muito trabalho, muita certeza de que a gente precisa acreditar. Essa crença leva a turma toda, hoje, a passar isso nas nossas apresentações em qualquer lugar, a contagiar já os filhos, os netos que estão sempre presentes”, comentou Toffolo.
A mãe, Marília Reis Toffolo, hoje com 72 anos, era quem cuidava para que as crianças não seguissem outro rumo. Toda quarta-feira pegava as crianças e ia para Belo Horizonte para elas fazerem aulas de violino.
“A origem foi toda nesta casa. Ronaldo criou uma orquestra para os filhos tocarem. É a mesma coisa, por exemplo de pôr cinco filhos para estudar metalurgia e montar uma metalúrgica para os seus filhos. A minha participação foi vigiar. Eu ia para Belo Horizonte, porque em Outro Preto não tinha [curso de violino]. Foram dez anos levando toda quarta-feira eles para Belo Horizonte para estudar violino. Lá, depois da aula, o professor me chamava e falava: ‘dona Marília, a Mara [uma das filhas gêmeas, que são as mais novas] a senhora vai olhar o cotovelo, Marina está pondo o dedo para cima que não pode, Ronaldinho está baixando muito o braço’. Aí, quando eu punha para estudar, eu ficava: ‘Marina, olha o dedo’. Eu fui junto com eles com aquele foco”, lembrou, destacando que corrigia, em casa,as posições no violino conforme indicava o professor.
As crianças aderiram à ideia da orquestra, mas houve períodos em que veio a vontade de desistir. A mãe, no entanto, persistiu. “Eu brinco que tinha tudo para dar errado e deu certo, porque imagina pegar cinco crianças, foram crianças normais iguais às outras. Teve a fase de adolescentes, aquela em que não queriam mais, a fase em que choravam, em que queriam bater e não queriam ir tocar. Eu nunca deixei. Primeiro, era violino, o resto era resto mesmo. Só iam para festa para casa de amigos se estudassem violino”, contou Marília, confessando que ela mesma nunca fez aulas de música.
“Não, menina, fiz a maior burrada da minha vida, porque eles começaram do zero, e eu podia ter começado junto, eu ficava mais de cinco horas esperando cada um entrando e saindo do quarto do professor, lá Belo Horizonte.”
A casa da família é decorada com objetos que fazem parte da memória de todos. “Fui juntando, juntando e tenho esse monte de coisa antiga pela casa afora. Fica uma memória afetiva”, ressaltou Marília, dizendo que ela e marido nunca deixaram de morar em Ouro Preto. “Ronaldo é de Ouro Preto, eu sou de Ouro Preto e nunca morei em outro lugar na minha vida.”
Para o maestro Rodrigo Toffolo, hoje com 47 anos, chegar aos 25 anos preservando uma orquestra de câmara com reconhecimento internacional, não é uma tarefa fácil.
“É um desafio. Sempre falo que o trabalho que a gente faz em equipe com um conjunto muito grande, faz a gente ficar muito feliz e orgulhoso de ter optado anos atrás pelo caminho da música, e tudo que foi plantado e regado com carinho enorme possa ser visto hoje florescendo e dando esses resultados todos”, disse à Agência Brasil.
O regente define a evolução do grupo como gradual e feita com muita responsabilidade, pensando na qualidade do projeto, por ser um grupo que sempre criou um repertório próprio e investiu na criação de música nova. “A definição da identidade da orquestra muito cedo nos ajudou a caminhar de maneira mais firme, sem muitas mudanças no caminho. Sempre tivemos na cabeça quais eram os pilares de atuação. Esses pilares são mantidos até hoje e ficamos muito felizes com isso”, completou.
Rodrigo Toffolo vê a renovação de gerações de músicos como uma garantia de evolução da orquestra. “Hoje muitos alunos da nossa academia jovem estão na orquestra principal. Jovens que entraram na academia, formaram-se na academia, e hoje seguem a carreira de músicos profissionais. Isso é muito importante. Nos 25 anos, certamente, várias pessoas passaram por aqui, vários músicos, e a gente conseguiu não só absorvê-los, mas poder viver e trabalhar com música”, destacou.
Com o passar do tempo, foi fácil notar que a formação de público, que sempre foi muito importante para o grupo, é uma forma de colher os frutos das apresentações nos mais diversos lugares do Brasil e fora do país, disse o maestro.
“Os teatros hoje ficaram pequenos para o que a orquestra faz. Os ingressos sempre esgotam com semanas de antecedência, e a gente começou a migrar para praças públicas, para o lado de fora, para poder receber o público que a orquestra tem, que é sempre muito generoso, muito representativo e mais popular. E ver também que a orquestra tem várias facetas”, acrescentou.
“Interessa exatamente que eles [público] saibam a beleza que a orquestra tem, a capacidade infinita da orquestra de fazer música, de tocar qualquer estilo de música”, concluiu.
*A repórter viajou a convite da Orquestra Ouro Preto