É de misturas que a identidade é construída no carnaval do Distrito Federal, a jovem capital do país de 64 anos. Tanto em sons quanto em cenários. Identidade singular, mas aberta a plurais influências. Um exemplo dessa face múltipla está em uma das primeiras atrações da folia, o bloco Aparelhinho, no Setor Bancário Sul, neste sábado (1º), que começa pela manhã entra pela madrugada.
“A gente toca frevos, marchinhas e sambas, mas vamos também de música eletrônica brasileira, africana, dos balcãs…”, afirma um dos idealizadores do Aparelhinho, Rodrigo Barata.
No meio da mescla, de atração tradicional e eletrônica, o encontro tem o ritmo de ideais que ele chama de “políticos”. “
A gente é DJ e queria criar um carnaval democrático na rua, perto da rodoviária e gratuito”. Quem sabe, assim, convencer outras pessoas a não procurar outros destinos nos dias da folia.
Para ele, a identidade foliã de Brasília está em construção. “Os blocos de Brasília estão formando essa cultura. Não são apenas ritmos tradicionais, mas também os do Brasil profundo, como o piseiro e o brega funk”, avalia o brasiliense.
Intervenção
Para a professora de arquitetura e urbanismo Maria Fernanda Derntl, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), o período carnavalesco apresenta-se como uma verdadeira intervenção urbana por parte dos moradores diante da possibilidade de ocupar os espaços dessa cidade ainda tão nova.
“O carnaval está ajudando a construir uma identidade para a cidade. As manifestações de carnaval são aquelas que podemos entender como culturais. Alguns urbanistas falam já agora não só no direito à cidade, como o direito à folia”, explica a professora.
A própria transformação dos espaços é, no entender da pesquisadora, elemento de preservação da memória. “O Estado deve reconhecer esse direito ao uso dos espaços e ao próprio direito à folia. Os governantes precisam criar modos de gerir a festa sem acabar com a natureza carnavalesca”.
Tensões
Por isso, no caso de Brasília, segundo avalia Maria Fernanda Derntl, é necessário fortalecer políticas públicas de carnaval, equipamentos para que isso pudesse acontecer. “Há tensões naturais no espaço público”. Assim é o caso do Distrito Federal, em que moradores de quadras residenciais venceram a queda de braço em relação a blocos tradicionais acostumados a começar a festa na própria vizinhança.
Neste ano, o governo local criou três “territórios” para a folia. O Galinho de Brasília, de 33 anos de história, por exemplo, neste ano, pela primeira vez sai “longe de casa”, em uma quadra na Asa Sul. Em 2025, o bloco vai levar frevo para a Esplanada dos Ministérios na segunda-feira a tarde.
Mas a novidade foi motivo de lamentação do presidente do bloco, o pernambucano Romildo Carvalho, radicado em Brasília há mais de cinco décadas.
Para ele, o espaço excessivamente aberto pode não ser positivo para a acústica da orquestra de 30 músicos do bloco.
“O frevo normalmente depende dessa acústica. Tem instrumentos de sopro. Essa mudança traz uma preocupação porque o som se perde muito. Quem faz carnaval é o povo”, diz Carvalho.
Segundo a urbanista Maria Fernanda Derntl, as diferentes cidades têm testado, com erros e acertos, diferentes modelos de gestão do carnaval. Ela diz que, em princípio, deve ser reconhecido o direito ao uso da cidade e propiciar esse caminho de serviços públicos até com protocolos especiais para serviços de limpeza e de transporte.
O governo do Distrito Federal explicou em publicação que o carnaval terá três territórios “para garantir um Carnaval mais organizado e seguro”.
“Segurança”
Para os quatro dias de carnaval foram criados o espaço “Gran Folia”, na Esplanada dos Ministérios, o “Setor Carnavalesco Sul”, no Setor Comercial Sul, e a “Plataforma da Diversidade”, no estacionamento do Eixo Cultural Ibero-americano.
A secretaria de cultura alega que, com os três “territórios”, serviços são otimizados, o que garante o reforço do policiamento, “fortalecendo a nossa tradição carnavalesca”.
Nem todos os foliões brasilienses aderem ao carnaval setorizado, conforme demarcado pelo governo local. “É um carnaval que não é orgânico. Deve servir para algum produtor ganhar dinheiro”, critica o jornalista Manuel Carlos Montenegro que prefere há anos curtir a folia com sua família no bloco “Vai quem fica”.
Já tradicional no Plano Piloto, o bloco foge da marcação fixada pelo Governo do Distrito Federal. Horas antes de sair em quadras residenciais da Asa Norte neste sábado (1º), o bloco divulgou um poema que de forma cifrada sugeria o local de concentração.
Montenegro defende que a estratégia é necessária para o Vai quem fica continuar circulando no carnaval. “Queriam acabar com todos os blocos, que chamam de ‘clandestinos’. Como se fosse uma coisa ilegal juntar amigos e tocar música durante o carnaval.”
*Colaborou Gilberto Costa